Quem já se escandaliza com a violência (tri) epidêmica ficará mais horrorizado ainda quando começar a perceber os motivos desse genocídio indiscriminado: ao menos um terço dos homicídios registrados no Estado de São Paulo durante 2012 e nos quatro primeiros meses de 2013 (perto de 7 mil mortes) foram causados por motivos fúteis, assim classificadas as brigas de trânsito, brigas domésticas e discussões entre pessoas alcoolizadas e munidas de armas (http://noticias.uol.com.br/). Um desses episódios, de grande repercussão, foi o brutal assassinato de um casal em um condomínio de luxo de São Paulo, morto a tiros por um vizinho supostamente irritado com o barulho do apartamento das vítimas. Isso revela mais um indício do quanto anda elevado o nível de enfermidade mental e psicológica da nossa sociedade. Mata-se muito por coisas pequenas. Mesmo em condomínios fechados, onde moram as classes mais altas.
A mídia, inteiramente viciada nos estereótipos, procura sempre vincular a violência na sociedade com “eles”, com os de sempre (marginalizados, negros, pardos, jovens etc.). Diante desse bombardeio descomunal de imagens (veja o exemplo abaixo), o leigo fica com a impressão de que o risco de morrer só é o representado mesmo por esses “eles”. Vejamos: Onda de crimes no Estado de São Paulo
14. Mai.2013 – Homens armados fizeram dentistas reféns, após a tentativa de roubo em um consultório odontológico na região da Lapa, zona oeste de São Paulo (SP). Os suspeitos foram presos Leia mais
Paulo Preto/Futura Press
No espectro da violência também temos que computar o seguinte: a cada 2 dias, 3 são mortos em briga de família em SP (Folha 13/6/14: C1). Estudo verificou conflito de parentes/casais em 12,5% das vítimas de homicídios (ele analisou os homicídios de janeiro a abril de 2014, em São Paulo, que levaram a óbito 1606 pessoas). O número pode ser maior porque 28% dos boletins de ocorrência não apontam o motivo da morte. Desordem familiar e crise econômica são fatores de influência no quadro, afirma professor da USP. Doze mulheres são assassinadas no Brasil diariamente (perto de 80% por namorados ou ex-namorados, noivos ou ex-noivos ou maridos ou ex-maridos).
O psicólogo e professor da USP Sérgio Kodato diz que há uma série de fatores que influenciam esse quadro –que vão de crise econômica a desorganização familiar. Ele atribui esse problema das famílias, em parte, à ausência da figura da autoridade paterna que impunha respeito e disciplina aos filhos. “É a mesma coisa que ocorre no Brasil e na escola, que é a falta da figura da autoridade. Então, nesse clima de caos, a tendência é isso afetar parte das famílias”, disse. O especialista em segurança pública Luís Sapori diz ver esse problema “como crônico e cultural do país”. Para ele, é uma “anomia moral”. ”Os indivíduos não estão respeitando as regras de Estado, de convivência civilizada, e passam a usar da força física para fazer prevalecer seus interesses”, disse Sapori (Folha 13/6/14: C1).
O homo videns contemporâneo (de todas as classes sociais) imagina que o risco de ser morto provém somente dos marginalizados desconhecidos. Muitos, no entanto, dormem, moram, vivem ou convivem com seu carrasco final, que faz parte da sociedade tendencialmente demente e doente que vivenciamos. Zaffaroni (2012: 308) explica o seguinte: “O único perigo que espreita nossas vidas e nossa tranquilidade são os adolescentes do bairro marginal, eles. Não há outros perigos, ou são menores, distantes, isso não vai acontecer comigo. A tal ponto isso está certo que a criminologia midiática constrói um conceito de segurança totalmente particular: abarca apenas a prevenção da violência do roubo. Quando um homicídio ocorreu por ciúme, paixão, inimizade, briga entre sócios ou o que quer que seja, para a mídia, não se trata de uma questão de segurança, o que as próprias autoridades também costumam afirmar, em tom de alívio, em suas declarações públicas. O homicídio da mulher espancada dentro do santo lar familiar não produz pânico moral, não é um risco visível. Mais ainda: quase são ignorados e se algum destes homicídios tiver ampla cobertura jornalística é por seu ângulo de morbidade sexual”.
Publicado por Luiz Flávio Gomes
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
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