segunda-feira, 18 de maio de 2015

Ministério Público pode promover investigações criminais (diz STF)


Depois de pelo menos 10 anos de discussão o STF (14/5/15) consolidou o entendimento (jurisprudencial) de que a Constituição brasileira confere ao Ministério Público poderes (legitimidade) para promover, por autoridade e iniciativa próprias e por prazo razoável, investigação criminal. Expressamente esse poder não existe na letra original da Constituição. Mas uma coisa é o que ela escreve expressamente, outra como ela é interpretada. O Plenário do STF negou provimento (por sete votos a quatro) ao RE 593.727, com repercussão geral (a decisão não é vinculante como uma súmula dessa natureza, mas tem o valor de orientação geral – ela sinaliza o rumo do direito). Para todos os processos que estavam suspensos (por causa da polêmica) vale a decisão do Plenário da Corte. Já não é (ou não é apenas) a Resolução 13 do CNMP que regula tal investigação, sim, o entendimento consolidado do Plenário do STF.
Mas os poderes investigativos criminais do MP têm limites (lapidar nesse sentido o voto do ministro Celso de Mello): devem ser respeitados os direitos e garantias fundamentais dos investigados (ou seja: as garantias do Estado de Direito previstos nas leis, na Constituição e nos tratados internacionais); tudo deve ser necessariamente documentado e praticado por membros do MP (ou sob sua direta responsabilidade). Há incontáveis técnicas investigativas que estão sujeitas à reserva constitucional de jurisdição (tais como: interceptação telefônica, busca domiciliar etc.). Nada disso pode ser violado (sob pena de nulidade do ato). Todas as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados (acesso ao procedimento escrito, por exemplo, por força da Súmula Vinculante 14) devem ser rigorosamente observadas. Foi destacada ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos. Esse é o sistema de freios e contrapesos (para que não haja nenhum tipo de abuso).
Depois que os ingleses derrubaram o rei Jaime II (século XVII) e logo que os franceses cortaram a cabeça de Luís XVI (1789), não existe ninguém no Estado de Direito com poderes ilimitados. Não se fala em soberano nas Repúblicas. Lord Acton afirmou que “o poder tende a corromper – e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Com essa afirmação sobre o poder político ou qualquer outro tipo de poder as repúblicas, Lord Acton disse que a autoridade política ou qualquer outra autoridade, nas sociedades humanas, em função apenas e tão somente de sua existência, tende a danificar as relações entre seres que deveriam ser iguais (tanto formal como materialmente, no ponto máximo que a luta histórica permitir).
As atribuições da polícia e do Ministério Público não são diferentes, mas complementares, ressaltou a ministra Cármen Lúcia. Senso assim, “quanto mais as instituições atuarem em conjunto, tanto melhor”. Sumamente relevante essa observação da ministra citada. A doutrina da tripartição dos poderes do velho Montesquieu está sepultada. Os poderes (na era pós-moderna, sobretudo) são dois (não três): o político-econômico-financeiro (que engloba o Executivo e o Legislativo, ambos geralmente “comprados” pelas classes dominantes poderosas) e o Poder Jurídico de controle. Os poderosos econômicos sequestraram o poder político (comprando-o por meio do financiamento das suas campanhas eleitorais). Esses poderes se unificaram (são das classes dominantes). Usam e abusam dele. Daí a imperiosa necessidade de controle externo, que compete ao Poder Jurídico composto da polícia investigativa, do Ministério Público e da Magistratura. Quanto mais cizânias institucionais (já são 28 as Adins no STF discutindo os limites do MP), melhor para os desmandos violentos ou corruptivos das bandas podres do grande poder (político-econômico e financeiro).
Para alguns ministros (Peluzo, Dias Toffoli e Lewandowski) os poderes investigativos do MP deveriam existir apenas em situações excepcionais. Marco Aurélio discorda totalmente de qualquer poder investigativo do MP. Todos ficaram vencidos. Portanto, por força da decisão da maioria (Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia), pode o MP investigar qualquer crime (mas tudo deve ser feito dentro dos estreitos limites do Estado de Direito). O sistema Guardião do MP (“O Grande Irmão”), revalidado em 28/4/15 pelo CNMP, permite que essa instituição faça interceptações telefônicas sem ordem de juiz ou com ordens totalmente genéricas. Nesse ponto o Estado de Direito está evidentemente violado (trata-se de medida inconstitucional – por falta de ordem judicial concreta – e ilegal – por falta de lei a respeito, que só pode emanar da União, por se tratar de norma processual).
Outra lição que se extrai do Plenário do STF: a jurisprudência, particularmente a interpretativa da Constituição, indiscutivelmente é fonte do direito (veja nosso livroCurso de Direito Penal-PG, 2015, Juspodivum). É ela que consolidou o poder de investigação do MP no campo criminal, interpretando os dispositivos constitucionais relacionados. Expressamente a Carta Maior nada diz sobre o tema. A conclusão final é fruto do trabalho interpretativo, com o que se comprova que a construção do direito vai do constituinte à cabeça do juiz, passando pelo legislador e demais interpretes constitucionais (Villey).
Saiba mais: http://migre.me/pTVPU
Luiz Flávio Gomes

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