Muito se questiona acerca da real aplicação das normas, principalmente no que tange à esfera penal, que, no geral, causa a alguns uma certa sensação de injustiça, sobretudo em virtude da afirmação de que, no Brasil, apenas os pobres e negros sofrem com a aplicação das penas.
Será?
Primeiramente, importante ressaltar a subjetividade no ponto atinente à raça, especialmente em virtude da subjetividade dos critérios utilizados para aferição e enquadramento de determinado indivíduo em branco ou negro.
A subjetividade do termo para classificação de negros e brancos torna extremamente difícil estabelecer a real fronteira entre ambos - a política de cotas raciais, aliás, que o diga -.
No entanto, salienta-se a ausência de relevância prática para tal classificação, sobretudo porque o ser humano, como se sabe, é uma só raça; assim, o indivíduo que tem mais ou menos melanina não difere em nada dos demais (para alguns, dizer o óbvio é necessário).
Não se nega, evidentemente, que a ignorância de alguns, fruto de épocas de maior irracionalidade, ainda permeia o pensamento de parte da população; todavia, deve-se ter em mente que dividir a sociedade em classes, ou mesmo em raças, é justamente o que causa a segregação racial, inclusive, criando-se desarrazoadas diferenças entre os indivíduos, sob o pretexto de igualdade substancial.
Transformar a sociedade em disputa entre as camadas não é saudável, e a história já comprovou isso (com a Alemanha Nazista, com a URSS, etc.).
A integração deve ser sempre o objetivo primordial de toda sociedade.
Com raríssimas exceções, dificilmente acredita-se que determinada punição possa levar em conta a cor do indivíduo, pois o judiciário é órgão racional, não sujeito a tamanhas irracionalidades, que motiva suas decisões em questões concretas.
As abordagens policiais não levam em consideração a cor do indivíduo, mas sua conduta, sua aparência (não se pode negar que o homem se deixa levar pelo visual, um indivíduo mais sujo e rasgado será abordado mais frequentemente que outro que ande, por exemplo, sempre de terno) e sua reação à própria abordagem - toda ação gera uma reação -.
A diferenciação entre as etnias na sociedade, a bem da verdade, é econômica. É indiscutível que a parte considerada negra encontra-se situada mais abaixo na questão econômica, mas isso advém de períodos pretéritos.
Contudo, deve-se atentar para evitar pensamentos que levem, por meio de premissas equivocadas, a conclusões instigantes. Falácias são reiteradamente utilizadas como meio de fomentar ainda mais a divisão da sociedade em partes.
Quanto à diferenciação em virtude da classe social, o primeiro ponto que se deve ter em mente é a diferença dos crimes perpetrados.
Os indivíduos das camadas mais pobres da sociedade praticam, em regra, crimes que deixam mais vestígios, e estão mais sujeitos a envolvimentos com o tráfico de drogas.
Primeiro, pois, sem poder e influência, resta ao sujeito a prática de crimes como o furto, o roubo, o latrocínio, o estelionato, etc.
Ademais, a própria instrução daquele que pertence a uma camada mais pobre da sociedade, no geral, é mais baixa, o que torna mais rara a ocorrência de crimes praticados por meio de redes criminosas.
Já os mais ricos costumam praticar os chamados crimes do colarinho branco: tão cruéis quanto os demais crimes (com efeitos muito mais devastadores), mas deixam menos vestígios.
Esses crimes são praticados, geralmente, por meio de organizações criminosas, redes de pessoas que, de forma estruturada e muito bem elaborada, locupletam-se às custas do erário.
A dificuldade de se chegar ao ápice de qualquer rede criminosa é sempre maior. Portanto, investigar e prender aquele que põe a mão na massa, que executa as ordens, é mais simples do que prender e encontram indícios para condenar o mandante.
Logo, prende-se o mula, mas não se prende o chefe do tráfico, e a razão é óbvia: dificuldades investigativas (principalmente em países com menos recursos de investigação).
Não se olvida, é claro, dos efeitos dos recursos financeiros no processo penal. Novamente, um problema estrutural: o pobre, sem recursos, costuma contratar defensores não tão bons e/ou voluntariosos. Por vezes, necessitam dos serviços de defensores públicos, que, apesar de ótimos profissionais, têm uma demanda processual muito grande, o que dificulta uma defesa plena.
Aquele que possui mais recursos, por sua vez, tem a alternativa de contratar ótimos advogados, de renome, com a possibilidade de procrastinar eternamente (a infinidade de recursos processuais penais lhes confere esse poder), quiçá, levando o processo à prescrição.
A falha, portanto, é recursal, do direito penal subjetivo, e não do direito material em si.
Há, também, influências extraprocessuais. O que, novamente, não tem qualquer relação com o preconceito: é a "boa (?)" e velha corrupção.
O fato de algumas pessoas desvirtuarem o sistema, aproveitando-se das falhas estruturais, não torna injusta a punição daqueles que perpetraram, também, crimes. O sistema sempre terá falhas, pois nenhum é perfeito.
O injusto, de fato, é deixar que os inocentes sejam submetidos a uma sociedade criminosa por que o sistema não pode punir a todos. A ausência da punição de culpados é o erro (a omissão), e não a punição daqueles que cometeram, realmente, delitos.
Não se pode utilizar de manobras retóricas para eximir determinados indivíduos dos atos por eles cometidos; a inversão de valores é prejudicial e torna instável a sociedade, que precisa entender o que é certo e o que é errado, seja pobre, seja branco, amarelo, ou cor de rosa. A vida em sociedade não é e nunca será fácil, nem um mar de rosas.
O preconceito é, infelizmente, um fato, que, inclusive, já diminuiu muito desde períodos pretéritos. Mas, frise-se, é com educação que se muda a mentalidade das pessoas.
Hyago de Souza Otto
Bacharel em Direito pela UNOESC, aprovado no XIV exame da Ordem dos Advogados do Brasil, apaixonado pelo Direito e pela Política.
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