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Natalia Viana |
Não é todo dia que um general de quatro estrelas tem de prestar contas à sociedade brasileira. Muito pelo contrário: nos últimos anos foram muitos os abusos cometidos pelos militares, pouquíssimas as investigações e zero as punições. Mas, há duas semanas, todos os jornais do Brasil repercutiram a ida do general Augusto Heleno para prestar esclarecimentos à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O general – um dos ministros mais fortes do governo Bolsonaro à frente do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – teve que encarar os representantes do povo e responder perguntas sobre a invasão da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro. O pedido para a oitiva do general foi feito com base em uma reportagem publicada pela Agência Pública mostrando que um dos presos no 8 de janeiro e outros acampados golpistas foram ao gabinete de Heleno antes da posse de Lula. Esse jornalismo criterioso e que leva a ações concretas só é possível graças aos leitores que apoiam mensalmente o nosso trabalho. Foram eles que se mobilizaram para nos apoiar no especial Caixa-Preta do Bolsonaro, uma batelada de pedidos pela Lei de Acesso à Informação que levou a revelações como essa. Nossos apoiadores sabem que o jornalismo que a gente faz leva tempo e custa caro. É preciso estudar muito os fatos para saber exatamente que informações pedir, por exemplo, num requerimento de acesso à informação.
Neste caso, tivemos que fazer listas de todos os acusados pela invasão para perguntar especificamente se esses golpistas estiveram no GSI. Mesmo com esse indício importante de ligação com os golpistas, não foi fácil para a CPI do Distrito Federal levar o general ao banco dos inquiridos. Um depoimento chegou a ser marcado para abril deste ano, mas foi cancelado pelo general para “não colocar mais gasolina” sobre o assunto. Depois, em junho, o depoimento só aconteceu após uma longa negociação dos deputados distritais com o novo Comandante do Exército. Uma delegação de militares chegou a ser enviada para ir à Assembleia Legislativa do DF para fechar o acordo. Heleno usou o espaço para falar barbaridades. Disse que os acampamentos golpistas eram “locais sadios” e que era exagero chamar o movimento de golpismo. Defendeu, ainda, a ditadura militar de 64. Mas também teve que responder a questionamentos duros, como ser confrontado com um áudio em que ele diz que precisava tomar calmante para evitar que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tomasse "medidas mais drásticas" contra o STF. Ele deu pra trás e disse ter sido apenas “uma brincadeira”. Agora, pense comigo: quando foi a última vez que você viu um general que fala essas bravatas tendo que responder perguntas duras em um ambiente público? Isso ainda é raro na nossa sociedade também porque a imprensa durante décadas deixou de investigar o poder militar. Nós, da Pública, reunimos um time de jornalistas que cobre o tema há tempos, como Marina Amaral, Rubens Valente, Bruno Fonseca, eu mesma e o Caio Freitas Paes. Mas mais do que isso, transformamos a cobertura dos militares em um tema transversal, levado em conta por todos os editores e repórteres da nossa redação. Só assim é possível monitorar de perto esta que ainda é uma das instituições menos transparentes e mais perigosas para a nossa democracia. Ainda há muito para descobrir sobre as digitais dos militares na conspiração para reverter a eleição de Lula. Além disso, temos a plena consciência de que a questão militar não foi resolvida e ainda será preciso muito esforço para que eles voltem de vez para a caserna.
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