segunda-feira, 11 de março de 2024

Projetos de lei de internação forçada causam alerta em movimentos de direitos humanos


Uma pauta que tem avançado em câmaras municipais vem preocupando movimentos sociais que atuam pela efetivação dos direitos humanos: a internação forçada de pessoas em situação de rua. As cidades catarinenses de Florianópolis e São José aprovaram, nos dias 19 e 28 de fevereiro, respectivamente, projetos de lei de internação compulsória para população em situação de rua com dependência química ou transtornos mentais. Grupos como o Instituto Nacional de Direitos Humanos da População de Rua (INRua), organização da sociedade civil ligada ao Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), e a Defensoria Pública da União criticam os projetos.O projeto de autoria do Poder Executivo usa o termo “internação humanizada”, em Florianópolis. O texto diz que a lei é destinada a pessoas com dependência química crônica, com prejuízos à saúde mental total ou parcial, que limite suas decisões, bem como pessoas em vulnerabilidade que possam causar dano a si ou a terceiros, ou ainda pessoas consideradas incapazes de tomar decisões por consequência de transtornos mentais adquiridos ou pré-existentes. A pessoa que se recusar a ser internada, o projeto explica, pode ser internada de forma involuntária – forçadamente - mediante aprovação de um servidor público da saúde, da assistência social ou de órgãos públicos considerados integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sisnad), ou ainda a pedido da família.

“Esse projeto de lei tem o objetivo de tirar as pessoas dos centros das cidades”, alerta Leonildo José Monteiro Filho, coordenador nacional do MNPR, conselheiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável dos Direitos Humanos e Presidente do INRua. “É uma prática higienista, para conquistar o que sempre quiseram: tirar a população de rua do centro. Somos contra essa lei que fere os direitos humanos de forma inconstitucional”. As propostas de lei direcionadas à população em situação de rua são entendidas como discriminatórias, aporofóbicas e higienistas, ao focar em uma parcela específica da população e forçar um isolamento e tratamento compulsório que não aconteceria com pessoas de outras camadas e grupos sociais.

A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública de Santa Catarina recomendaram a suspensão dos projetos de leis. Em nota à Agência Brasil, os órgãos reiteraram que esse tipo de projeto não atinge os fins aos quais se propõem e violam a ordem legal e constitucional: “Inicialmente, é preciso contextualizar, desde já, que a intenção proposta pelo Município acarreta tratamento diferenciado à população em situação de rua, distinto das demais camadas sociais e do próprio coletivo no restante do país, revelando uma política seletiva e de higienização social, incompatível com o Estado Democrático de Direito e com os direitos fundamentais. De qualquer modo, é imperioso mencionar que a internação é um instituto previsto tanto na Lei Federal n. 10.216/2001 (atinente à proteção e aos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais), como na Lei Federal n. 11.343/2006 (atinente ao tratamento do usuário ou dependente de drogas), motivo pelo qual a sua aplicação prescinde de lei municipal".

“O que o projeto de lei prevê, portanto, não é uma prática de cuidado em saúde mental que leva em consideração a gravidade ou risco de cada caso, a partir de uma avaliação psiquiátrica e sob a autorização de um juiz, mas sim uma prática indiscriminada de remoção forçada e limpeza étnica apenas comparável ao que de pior já existiu na história da humanidade. Diante dessa proposta absurda em Santa Catarina e outras violações que têm ocorrido naquela Estado, o Conselho Nacional de Direitos Humanos fará uma missão presencial nas cidades em questão no mês de abril, a fim de apurar a situação e tomar as medidas cabíveis junto a gestão municipal e ao sistema de justiça”, conclui Rodrigo Alvarenga, coordenador do Observatório Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos Políticas Públicas da PUC-PR.

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