Mesmo quando ocupam cargos de liderança e acumulam resultados expressivos, muitas mulheres ainda enfrentam uma limitação silenciosa em ambientes de tomada de decisão. Não se trata de falta de competência, mas da dificuldade em se expressar plenamente diante de uma configuração histórica em que a presença masculina, dominante nesses espaços, impõe códigos de conduta muitas vezes excludentes.
E para Carla Martins, vice-presidente do SERAC e especialista em cultura corporativa e gestão de pessoas, a resposta para romper esse bloqueio pode estar justamente na criação de ambientes formados exclusivamente por mulheres. “É impressionante como a linguagem muda, o corpo relaxa e a fala flui quando a mulher percebe que está entre iguais. Esses espaços não são sobre isolamento, mas sobre liberdade para se ouvir, testar ideias, assumir ambições e compartilhar vulnerabilidades”, afirma.
A especialista defende que a liderança feminina precisa de espaços onde a performance não seja o único parâmetro de validação. Em grupos compostos só por mulheres, as empresárias podem elaborar estratégias de crescimento com mais profundidade, discutir medos sem se sentirem frágeis e construir planos de ação mais alinhados à sua identidade. “A mulher que lidera também carrega sobre si o peso do julgamento. E quando esse julgamento é retirado, o que emerge é uma potência muito mais genuína e estratégica”, completa Carla.
Quebra de bloqueios invisíveis
Muitas mulheres bem-sucedidas relatam que, em ambientes mistos, reduzem a participação espontânea, evitam discordar abertamente e até modulam a própria voz para não parecerem “duras” ou “emocionais demais”. Essa autocensura, ainda que sutil, compromete a inovação, esvazia a confiança e afasta a autenticidade.
Ambientes compostos apenas por mulheres funcionam como uma espécie de descompressão. Permitem que lideranças femininas voltem a se conectar com sua essência, com menos esforço para legitimar cada fala. “Nesses espaços, a mulher pode ser estratégica sem abrir mão da sensibilidade, pode falar de metas e ao mesmo tempo de medo. É um território onde ambição e afeto coexistem, e isso fortalece uma nova forma de liderar”, observa Carla.
Construção de repertório coletivo
Além da confiança individual, grupos femininos bem estruturados contribuem para a construção de um repertório coletivo. A troca de experiências permite que uma empresária enxergue novas rotas a partir da trajetória da outra. As decisões deixam de ser solitárias e passam a ser mais embasadas, fortalecidas por múltiplas perspectivas.
Para Carla Martins, a inteligência coletiva feminina é uma força subutilizada no mundo dos negócios. “Quando mulheres se unem sem competição, o resultado é uma engrenagem poderosa. Compartilhamos aprendizados, validamos soluções e criamos atalhos que poderiam levar anos sozinhas”, aponta.
Liderança com identidade própria
O objetivo não é formar bolhas, mas garantir que haja ao menos um espaço onde a mulher possa se despir das camadas impostas por um ambiente historicamente masculino. Liderar exige clareza, e essa clareza nasce de uma identidade bem posicionada. “Toda mulher precisa de um momento para lembrar quem ela é, antes de escolher como quer ocupar os espaços. Quando isso acontece, ela deixa de se adaptar ao formato e começa a criar o seu”, explica Carla.
Segundo ela, muitas líderes ainda se moldam a modelos de liderança que priorizam a imposição, a disputa e a lógica da escassez. O que os grupos femininos oferecem é uma alternativa baseada em parceria, escuta e construção conjunta de poder.
Um caminho para o futuro das organizações
A criação de grupos exclusivos de mulheres não é sobre enfraquecer a diversidade, mas sim sobre equilibrá-la. Em um cenário corporativo que caminha, ainda que lentamente, para mais representatividade, iniciativas como essa ajudam a corrigir distorções históricas, sem precisar aguardar mudanças institucionais.
“É uma estrutura de curto prazo com efeitos de longo prazo. O que se constrói nesses grupos ultrapassa a reunião. Impacta na gestão, nas equipes, nas famílias e, principalmente, no modo como cada mulher se enxerga como líder”, conclui Carla Martins.